Repetindo o título: seis clubes e 17 temporadas. Esse é o resumo do futebol amazonense na Série B. No próximo ano, o número vai aumentar em um para cada, com a adição do Amazonas FC na edição 2024. O clube fundado em 2019 teve a ascensão mais espetacular desde a criação da Série D se tratando do período entre a fundação e chegada na Série B. Se tornou o terceiro clube criado neste século a chegar ao segundo escalão nacional saindo da quarta divisão – se junta ao Cuiabá (2004) e o Novorizontino (2010).
Desde o acesso do Manaus, a expectativa do futebol amazonense era que o Gavião recolocasse o estado na Série B, que ocorreu pela última vez em 2006. O clube subiu em 2019 e teve a chance mais clara de acesso para o segundo nível em 2021, quando disputou a segunda fase. Nesse momento, o Amazonas FC tinha a vaga para a Série D 2022, onde conseguiu o acesso. Nesta temporada, fizeram campanhas de opostos na Série C: a Onça subiu e o Gavião caiu.
O futebol amazonense é o que mais teve clubes na Série B na região Norte: são seis contra quatro do Pará (Paysandu, Remo, Tuna Luso e Sport Belém) e dois acreanos (Rio Branco e Independência). O estado do Amazonas é o único da região que teve um clube do interior na disputa, com o Princesa do Solimões, de Manacapuru. O quinteto manauara que compôs a história do estado tem a Rodoviária, Rio Negro, Fast Clube, Nacional e São Raimundo. São poucos momentos de sucesso na divisão, pressão que o Amazonas FC carrega agora. Um clube fundado por ex-dirigentes de clubes tradicionais do estado, que se inspiram no Cuiabá para sonhar com a Série A, que o futebol local não vê desde 1986 com o Nacional. Enquanto isso não ocorre, viajemos pela história do futebol amazonense na Série B.
Rodoviária, o alternativo que participou da primeira edição
A Série B 1971 surgiu para dar espaço aos demais estados que não foram contemplados na primeira divisão. A escolha dos estados foi uma confusão. Isso causou a revolta, que criou uma competição paralela, o Torneio da Integração Nacional, que teve a participação do Fast Clube, que teria vaga na Série B pelo título estadual do ano vigente. Sem o clube, restou à inusitada Rodoviária ser o primeiro clube amazonense na história da divisão.
Na época, a Rodoviária era a principal ameaça ao reinado do Nacional, Rio Negro e Fast Clube. Um ano antes, a equipe foi terceira colocada no Estadual e era o grande favorito no Estadual 1971, mas perdeu para o Fast Clube – em 1973, a equipe venceu a disputa.
O ponto forte do clube era a situação financeira, com pagamentos de bons salários, que não atrasavam. Esse aporte fez com que o time contratasse Tupãzinho, meia que foi campeão da Taça Brasil e Robertão 1967, com o Palmeiras. Porém, a passagem dele foi marcada por uma confusão: ele foi acusado de ser líder de uma “rebelião” que quebrou várias coisas da concentração. A campanha teve apenas dois jogos na competição, pois a equipe não precisou passar pela seletiva estadual. A única definição foi quem seria o representante do Norte na semifinal. O clube enfrentou o Remo duas vezes em Belém e perdeu as duas partidas (0x1 e 2×4). Os gols amazonenses foram marcados por Paulo Borges e Hércules.

Anos 1980: a consolidação do Rio Negro, a estreia do Nacional e as passagens do Fast Clube
A Série B ficou sete temporadas sem disputa (1972-1979). Quando voltou, o Rio Negro foi quem mais representou o estado na divisão, muito por ter sido vice do estado para o Nacional em algumas oportunidades.
Em 1980, o Rio Negro teve a companhia do Fast Clube na divisão. As duas equipes ficaram no Grupo A com Paysandu, Sampaio Corrêa, Tuna Luso, River, Moto Clube e Piauí, com campanhas longe de tentar classificação. O alvinegro foi melhor com duas vitórias em sete jogos, incluindo o 2 a 1 no Fast Clube, que não venceu e empatou quatro partidas da disputa.

No ano seguinte, o alvinegro voltou! Começou bem, com vitórias para cima de Guarany de Sobral (1×0) e Tiradentes-PI (2×1), mas parou por aí. Terminou na lanterna no grupo, que ainda tinha Remo, Tuna Luso, Ceará, Flamengo-PI e Maranhão.
Para 1982, foi a vez do Fast Clube representar o estado. Foi a segunda e última participação do Rolo Compressor. A única vitória veio: 2 a 0 no Tiradentes-CE. O time ficou na penúltima colocação, atrás de Fortaleza, Tiradentes-PI e Remo. A edição dessa temporada permitia a “queda” de clubes da Taça de Ouro para entrar na terceira fase da “Prata” e foi assim que o Nacional apareceu na Série B. O clube azulino parou no primeiro mata-mata ao perder para o River por 4 a 3 no agregado.
O Nacional voltou em 1983 para fazer a melhor campanha amazonense até então, mesmo que tenha parado na primeira fase. O time chegou na última rodada na luta pela vaga com o Guarany de Sobral. Precisava vencer o River – ficou no empate por 2 a 2 – e torcer por derrota dos cearenses – venceram o Remo, por 1 a 0. Maranhão e Ceará – venceu por 2 a 1 – completaram o grupo.
O Rio Negro emplacou três edições seguidas da Série B: 1984, 1985 e 1986. O estado não teve seletiva para a disputa de 1984, pois o vice-campeão amazonense de 1983 ficaria com a vaga, no caso, o Rio Negro. A equipe parou na primeira fase, sendo eliminada pelo Remo. Em 1985, passou pelo União Rondonópolis no primeiro mata-mata e parou para a futura campeã Tuna Luso. Para fechar o triênio, a equipe foi muito bem no Torneio Paralelo de 1986, quando ficou no 3º lugar da chave do Treze, que subiu para a primeira divisão do mesmo ano.
1989: o maior número de amazonenses em uma Série B
Em 1988, a Série C foi realizada pela segunda vez, o que enxugou a Série B. Porém, em 1989, a terceira divisão foi descontinuada e inchou o segundo escalão. Os Estaduais foram a porta de entrada para a disputa. No Amazonas, o campeonato local contou com nove clubes. Em março, as equipes iniciaram a disputa em dois turnos para definir os quatro semifinalistas: Nacional, Rio Negro, Princesa e Sul América. No fim de agosto, o Rio Negro foi campeão em cima do Nacional, enquanto o Sul América venceu a disputa de 3º lugar contra o Princesa. Não encontramos se essa disputa foi para definir o representante na Série B, pois o Princesa acabou com a vaga ao lado dos finalistas.

Com a vaga na Série B 1989, o Princesa do Solimões se tornou o primeiro e único clube do interior dos estados nortistas a disputar a divisão. Fazia dois anos que a equipe tinha entrado no profissionalismo. Fez uma Série B abaixo, mas venceu três jogos: Rio Branco-AC (3×1), Rio Negro (1×0) e Mixto (3×1)
Duas equipes passariam de fase na disputa em turno e returno, que tinha seis equipes, como o Dom Bosco, além dos supracitados. Foi uma chave bem competitiva, com diferença de cinco pontos entre o líder Rio Branco (12) e o lanterna Princesa (7). Na última rodada, houve um indireto clássico Rio-Nal. O Nacional chegava na liderança, com 11 pontos, e Rio Branco e Rio Negro vinham atrás, com dez. O Nacional perdeu para os acreanos e o Galo venceu o Mixto. Resultado: Rio Negro classificado e Nacional eliminado.
Nos confrontos amazonenses, a vantagem foi do Nacional, que terminou invicto, com uma vitória e três empates. O Rio Negro foi o segundo melhor e o Princesa ficou em terceiro.
Os confrontos amazonenses na Série B 1989
Princesa 0x0 Nacional – 3ª Rodada
Nacional 0x0 Rio Negro – 4ª Rodada
Rio Negro 4×0 Princesa – 5ª Rodada
Princesa 1×0 Rio Negro – 6ª Rodada
Nacional 1×0 Princesa – 8ª Rodada
Rio Negro 0x0 Nacional – 9ª Rodada

A primeira classificação da história do Amazonas para a segunda fase de uma edição da Série B terminou no primeiro mata-mata. O Rio Negro empatou com a Anapolina por um gol nas duas partidas e perdeu nos pênaltis.

Em 1991, o Rio Negro participou pela última vez da segunda divisão nacional. Ficou na penúltima colocação de uma edição histórica, pois foi a única com confrontos entre três estados do Norte: Pará, Acre e Amazonas. O alvinegro venceu apenas dois jogos: Maranhão (1×0) e Independência-AC (4×0).
São Raimundo x Nacional: o acesso versus o convite
No fim dos anos 1990, o São Raimundo dominou o futebol amazonense e nortista. Em 1999, o Brasil teve a comprovação da força do Tufão, quando o clube terminou com o vice-campeonato da Série C, que garantiu o acesso à Série B ao lado do Fluminense. Veio todo o imbróglio do Caso Sandro Hiroshi, que provocou uma confusão e escolhas esdrúxulas por parte da CBF, que criaram a Copa João Havelange de 2000.
O São Raimundo ficou no Módulo Amarelo, a Série B oficiosamente desta temporada. A CBF convidou 21 clubes para chegar ao número de 36, com base nos Estaduais do mesmo ano. O Amazonas foi agraciado com uma vaga, que foi destinada ao Nacional, campeão estadual contra o Tufão.

Juntos no Grupo B, os rivais fizeram campanhas de extremos: o São Raimundo ficou com uma surpreendente vice-liderança da chave, enquanto o Nacional terminou em 15º entre os 18 clubes. Porém, o “Clássico Azul” – o confronto não tem um nome oficial – foi vencido pelo Leão em um jogo espetacular: 5 a 4. O Nacional chegou a abrir 3 a 1, viu o empate ocorrer, conseguiu fazer 4 a 3 aos 39 minutos da etapa final, mas tomou novo empate três minutos depois. Aos 50, Garanha marcou o quinto do Nacional e o nono da partida no estádio Ismael Benigno. O São Raimundo foi muito empolgado para a segunda fase, mas foi eliminado pelo Bangu, um dos convidados da edição.
Escalações do confronto
SÃO RAIMUNDO 4 x 5 NACIONAL
Local: Ismael Benigno (Manaus)
Gols: Garanha 28, Marcelo Araxá 31 do 1° tempo; Camilo 18, Garanha 22, Paulinho 24, Cabeção 27, Éverton 39, Cabeção 42, Garanha 50 do 2° tempo;
Cartão amarelo: Garanha
SÃO RAIMUNDO: Iúna, Paulinho, Luís Cláudio, Donizete e Guará; Isaac, Alberto, Neto e Niltinho; Delmo (Geremias) e Marcelo Araxá (Marcelo Cabeção). Técnico: Aderbal Lana
NACIONAL: Flávio, Sérgio, Capitão, Camilo e Rogério Tatu; Borges, Douglas, Agnaldo (Ediglê) e Éverton; Cisco e Garanha. Técnico: Mirandinha
Para 2001, apenas o São Raimundo teria direito a continuar na Série B, devido ao resultado esportivo de 1999. Porém, o Nacional conseguiu um novo convite para permanecer, mesmo com a campanha abaixo do ano anterior. A motivação foi política, segundo a Folha de São Paulo, pois o senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) teria “apoiado e conseguido a indicação” junto a CBF.
Novamente, juntos na mesma chave, as equipes se enfrentaram duas vezes. A campanha do São Raimundo foi de luta para avançar de fase e teve confronto direto na última rodada contra o CRB, enquanto o Nacional foi rebaixado com uma rodada de antecedência, encerrando a última aparição na segunda divisão nacional.
Foram dois confrontos em 2001, o que o tornou, o confronto amazonense que mais ocorreu na Série B. A primeira partida, com mando do Tufão, terminou no empate sem gols. O São Raimundo se vingou da derrota dura de 2000 com uma goleada acachapante no returno: 4 a 0. Os gols foram marcados por Jean Carlo, Sidnei e Delmo (2x), o último que é o grande nome da história do São Raimundo na sequência de sete anos de Série B.
Mais cinco anos de São Raimundo: a força como mandante, Delmo na Placar e a queda
Depois de duas campanhas boas, a realidade do Tufão entre 2002 e 2006 foi de luta contra a queda. Falar desse período é relembrar o Guia do Brasileirão da Revista Placar, que nesse período passou a ter mais espaço para a Série B.
Em 2002, o São Raimundo viveu um dos jogos mais memoráveis da passagem do clube pela Série B. Na zona de rebaixamento na última rodada, o Tufão estava caindo até os 46 minutos do segundo tempo, quando empatava com o Vila Nova por 3 a 3. Até que Alberto, de falta, fez o gol que manteve a equipe na divisão.
A partir do ano seguinte, Delmo passou a ser (mais ainda) a personificação do clube. De 2003 a 2006, o atacante foi o jogador escolhido para ser a “foto-destaque” do time nas edições do Guia do Brasileirão da Revista Placar, sendo chamado de ídolo, referência e parrudo, devido a força física que tinha, mesmo com apenas 1,68 metros. Vale destacar que Palmeiras e Botafogo disputaram a competição em 2003 e fizeram a Série B ter páginas exclusivas na publicação.
O atacante é, até hoje, idolatrado pela torcida colinense, ainda mais por ter sido representante do time nestes guias. “Eu sempre dentro dos treinamentos me comportei muito bem, sempre levei com seriedade. E nas partidas não era diferente. Tudo que eu treinava, colocava em prática nos jogos e, talvez, seja por isso que me destaquei no São Raimundo. Mas uma andorinha só não faz verão. Se não fosse os companheiros, o entrosamento, não teríamos conseguido ser, o que o Delmo foi”, disse o atacante em entrevista a edição #3 da Revista Série Z. O atacante disputou todas as edições da Série B que o São Raimundo participou.
Em 2003, o São Raimundo ainda contava com Aderbal Lana no comando da equipe, o responsável direto pela transformação da equipe e hegemonia estadual e regional. No texto do guia, o treinador era tratado como “autodenominado estudioso do futebol” e que tinha como estratégia “garimpar talentos do Amazonas”. No ano seguinte, o foco foi o elenco que não havia se definido até três semanas antes do início da Série B, já que não se podia investir o mesmo em um Amazonense e Série B. No estadual, a folha salarial chegava a 30 mil reais e subiu para 100 mil para a disputa da Série B. Nas edições de 2005 e 2006, o São Raimundo teve a mesma característica retratada: a força como mandante. No primeiro momento, a Colina foi chamada de “Arapuca Amazônica” e no número seguinte, o título era “Caseiro sim, com orgulho”. A intenção era retratar que em casa, a equipe teria os pontos necessários para ficar na segunda divisão, já que fora de casa, a equipe ficou temporadas sem vitória.




Essa força em casa, seja no Vivaldão ou na Colina, foi muito marcante nos sete anos de Série B. A equipe disputou 175 partidas na divisão, com 63 vitórias, 37 empates e 75 derrotas. Dos triunfos conquistados, 56 foram como mandantes e teve apenas 12 derrotas. Fora de casa, a situação era oposta, com apenas sete vitórias – sendo que uma partida foi contra o Nacional – e 63 derrotas.
As vitórias do São Raimundo fora de casa
2000 – Ceará 0x1 São Raimundo
2000 – Vila Nova 0x1 São Raimundo
2001 – Nacional 0x4 São Raimundo
2001 – Anapolina 0x1 São Raimundo
2005 – Paulista 1×2 São Raimundo
2006 – Ituano 1×2 São Raimundo
2006 – Avaí 0x1 São Raimundo
Essa força em Manaus foi o ponto alto para o clube se manter na segunda divisão por esse período. Porém, a primeira edição da Série B em pontos corridos foi o limite para a equipe de Aderbal Lana, que caiu para nunca mais voltar à Série B. Desde então, essa era a última aparição amazonense na Série B.
Amazonas na Série B 2024: o que esperar?
Bater e voltar, infelizmente, não é algo impossível de acontecer. Porém, o Amazonas FC tem boas perspectivas para a Série B. A estrutura do clube precisará passar por uma ampliação, com aumento de pessoas para aguentar uma temporada de 38 rodadas de Série B. Por outro lado, é um clube sem vícios administrativos, ou seja, poderá “manter” o padrão de investimento que vem tendo durante esses anos. A Onça já teve antes mesmo da Série C 2024, nomes famosos, como Ibson, Walter, Maikon Leite, Eduardo Ramos, Adriano e Soares. Esse ano, vale frisar Sassá, Jackson, Diego Torres, Patric e Renatinho – que acabou saindo com três jogos.
Além da qualidade, o elenco do acesso tem experiência na… Série B! São 15 jogadores com jogos na divisão acima. Obviamente, o plantel terá mudanças, mas a análise de mercado já foi bem feita. Entre os nomes, vale o destaque para o goleiro Edson Mardden (seis participações em Série B), o lateral Patric (cinco), o meia Diego Torres (quatro) e o atacante Sassá (quatro).
O time terá mais dinheiro em caixa, poderá atrair mais patrocinadores locais, uma região forte economicamente, com mais jogos no ano, incluindo a Copa do Brasil e Copa Verde. No Campeonato Amazonense, o desafio será confirmar o bicampeonato sem sustos com uma base mínima para a disputa da Série B, assim como vem fazendo o Cuiabá nas últimas temporadas, mesmo que a elite nacional seja um outro patamar.

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