1920, o ano em quem as seleções fizeram história

Texto originalmente publicado na Revista Série Z #36, o especial “100 clubes de 1920”

Há cem anos, o mundo vivia um caos, como atualmente estamos, e o futebol voltou com o tempo, mas fez-se a história entre as equipes nacionais

O que vivemos em 2020 é um marco para a nossa geração! Vivenciamos uma pandemia (não que isso seja legal), ao ponto de nos fazer esquecer que por pouco não tivemos a Terceira Guerra Mundial com o atentado orquestrado pelos Estados Unidos que matou um líder iraniano, como alguns analistas políticos internacionais indicaram.

Há cem anos, em um mundo totalmente diferente do que temos hoje, uma grande mudança social e geopolítica foi provocada, com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a entrada do terceiro ano da pandemia da Gripe Espanhola, que foi terminada oficialmente apenas em dezembro de 1920.

Muitos campeonatos de futebol foram parados, seja pela guerra ou pandemia, incluindo os embrionários torneios de seleções. O primeiro que se tem registro foi o Campeonato Britânico de Seleções (British Home Championship) datado de 1884, ano da primeira edição. Seis anos depois, as Olimpíadas colocaram o futebol no quadro de modalidades. As duas competições pararam durante a guerra. Enquanto isso, a América do Sul que não sofria com os confrontos da parte norte do planeta fundava o Campeonato Sul-Americano de Seleções em 1916.

Assim, 1920 foi um ano histórico para o futebol de seleções, pois pela primeira vez se realizavam três campeonatos do tipo no mesmo ano, pois bateu das Olimpíadas, Campeonato Sul-Americano e Britânico serem realizados na mesma temporada. País de Gales, Bélgica e Uruguai se tornaram campeões das competições que disputaram.

Brittish Home Championship: o segundo título galês

A competição que envolvia as quatro seleções do Reino Unido durou 100 anos, com Inglaterra e Escócia dominando a lista de títulos, com 54 e 41 taças, respectivamente. Até 1919/20, a Irlanda (que era junta ainda) e País de Gales tinham apenas um título cada. O primeiro título galês foi em 1907.

Em 1919/20, a competição teve apenas uma partida em 1919, com o empate em um gol de Irlanda e Inglaterra. Em 14 de fevereiro de 1920, a Irlanda recebeu Gales para a segunda partida, que terminou empatada em 2 a 2, com os gols dos visitantes marcados pelo atacante Stan Davies, do Preston North End.

O próximo jogo foi em Cardiff, com a seleção local recebendo a Escócia. Mais um empate para a seleção que seria campeã, 1 a 1, com gol do ponta esquerda John Evans, que atuava no time local, o Cardiff City. Nesse momento, Irlanda e País de Gales eram as líderes, mas a Escócia tomou a liderança ao vencer os irlandeses por 3 a 0.

Da esquerda para a direita, Dick Richards, John Evans e Stan Davies, autores dos gols galeses na campanha do título

Em 15 de março, no Highbury, os ingleses entravam para a segunda partida, enquanto Gales tinha que vencer para assumir a liderança e ficar na torcida para derrota na Escócia na última rodada. A seleção que futuramente teria Ryan Giggs e Gareth Bale venceu por 2 a 1, de virada, com mais um gol de Davies e Dick Richards (Wolverhampton) fazendo o segundo.

Selecionado de Gales, campeão britânico de seleções em 1920

Para ficar com a taça, a Escócia precisava perder para os ingleses. O jogo da última rodada foi totalmente maluco. A seleção dos três leões abriu 2 a 0; a Escócia virou para 4 a 2, ainda no primeiro tempo, mas os ingleses conseguiram reverter o placar em 16 minutos da etapa final, entre o minuto 57 e 73. Resultado: 5 a 4 para os campeões mundiais de 1966. Assim, o País de Gales ficou com o título, o segundo na história da equipe nacional.

Olimpíadas de Antuérpia: a medalha de ouro da anfitriã e o primeiro torneio intercontinental

Pela quinta vez, o futebol esteve no quadro de modalidades das Olimpíadas em Antuérpia 1920. Se tratou de uma edição histórica, pois pela primeira vez houve uma competição intercontinental no futebol, com 13 seleções europeias e o Egito, a grande novidade da disputa.

Grande novidade do torneio de futebol olímpico foi a presença de uma seleção africana, o Egito, que perdeu a primeira partida, mas fez um amistoso contra a “Iugoslávia”, onde venceu por 4 a 2, quando estavam eliminados

Nos primeiros Jogos Olímpicos pós-guerra, as seleções dos países da Tríplice Aliança e os que estiveram juntos não foram chamados para a competição, devido a reconstrução. A Grã-Bretanha teve uma equipe alternativa, com jogadores de divisões menores e clubes universitários.

Além disso, a competição teve duas baixas, com a Suíça desistindo da disputa prestes a se iniciar o torneio, com isso, a França entrou diretamente nas quartas de final. O mesmo caso da anfitriã Bélgica, que não entrou em campo, pois a Polônia, a adversária, não chegou a tempo para a partida.

Entre 28 de agosto e 5 de setembro, quatro estádios e três cidades receberam as partidas da competição, que teve um desfecho bem conturbado. Na primeira fase, Tchecoslováquia (7×0), Espanha (1×0), Itália (2×1), Noruega (3×1), Holanda (3×0) e Suécia (9×0) venceram, respectivamente, Iugoslávia (na época, Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos), Dinamarca, Egito, Grã-Bretanha, Luxemburgo e Grécia e se classificaram.

Na fase seguinte, Bélgica e França estrearam com vitórias. As duas venceram por 3 a 1, Espanha e Itália, concomitantemente. Holanda e Suécia fizeram um jogo com nove gols, 5 a 4, que foi definido na prorrogação, com gol da vitória da Laranja Mecânica marcado por Jan de Natris, aos 10 minutos do segundo tempo da etapa complementar. A outra partida teve mais uma goleada dos tchecoslovacos, com 4 a 0 para cima dos noruegueses.

Na semifinal, novamente, a equipe da seleção que reunia tchecos e eslovacos passou por cima sem problemas, com triunfo de 4 a 1 contra a França, enquanto os anfitriões eliminaram os vizinhos rivais, com 3 a 0 no placar.

O torneio vinha sendo disputado sem problemas, mas a partir da final criou-se o caos. A Bélgica vencia a Tchecoslováquia por 2 a 0, até que os adversários abandonaram a partida no 40º minuto por reclamações ao árbitro inglês John Lewis, que apitou a semifinal que os donos da casa venceram e alegaram que houve um gol irregular oficializado. A equipe foi desqualificada, sem direito a medalha de prata que estava garantindo. Tentou recurso, mas foi negado.

Com isso, a disputa do terceiro lugar definiria a medalha de prata e bronze, mas não foi possível, pois muitos jogadores da França haviam indo embora da cidade. Assim, teve que se pegar os quatro eliminados das quartas de final, para definir um campeão que iria enfrentar a Holanda na disputa de prata. A Espanha venceu a repescagem dos quadrifinalistas após derrotar Suécia e Itália. Na disputa final, a Fúria venceu mais uma na competição, derrotando os holandeses por 3 a 1, para garantir a conturbada medalha de prata das Olimpíadas de 1920. Terminava assim, o torneio de futebol com Bélgica, Espanha e Holanda no pódio.

Os anfitriões, campeões do torneio olímpico, o único título da Bélgica na história, que atualmente conta com uma geração talentosa com capacidade para vencer uma Euro ou Copa do Mundo

Sul-Americano de Seleções: a retomada e hegemonia uruguaia

Seis dias depois do término do torneio olímpico de futebol, o ano histórico para o futebol de seleções marcou o início do Campeonato Sul-Americano de Seleções em Viña del Mar, Chile. Sem nenhuma estreante, Brasil, Uruguai, Argentina e os anfitriões disputaram a competição que teve formato simples: turno único em pontos corridos.

Era a quarta edição do certame, que teve nas duas primeiras edições, o Uruguai como campeão e em 1919, o Brasil recebeu a competição e conquistou a taça. No início, a disputa era anual, com um hiato em 1918, devido ao caos da saúde pública do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, consequência da gripe espanhola.

O Uruguai começava a trilhar o caminho de ser o maior campeão da Copa América/Sul-Americano de Seleções, mas ainda não era conhecida como Celeste Olímpica, pois a medalha de ouro veio quatro anos depois

Do time campeão em 1919, apenas dois jogadores permaneceram no time brasileiro: os meias Fortes e Martins. Craques da primeira conquista da seleção brasileira, Friedenreich e Neco não foram ao Chile. Enfraquecida, a seleção passou pela maior goleada da história até o fatídico 7 a 1. Na segunda rodada da disputa, o Uruguai meteu 6 a 0 nos compatriotas. Esse revés por 94 anos foi a pior derrota da seleção pentacampeã.

Antes desse trágico dia, o Brasil venceu o Chile, por 1 a 0, enquanto argentinos e uruguaios ficaram no empate por um gol. Além da goleada supracitada, a segunda rodada teve novo empate por 1 a 1 entre Chile e Argentina.

O último jogo tinha um cenário atípico, com todos tendo chance de título, claro que para os chilenos, a situação era bem mais difícil. No dia 25 de setembro, a Argentina venceu o Brasil, por 2 a 0, e assumiu a liderança. Uruguai e Chile, no dia 3 de outubro, definiriam o campeão da edição. Pelo saldo de gols, o Uruguai precisava de um empate para confirmar a terceira taça. A Celeste abriu o placar com Romano, aos 37 minutos da etapa inicial. No segundo tempo, Dominguéz anotou o gol de empate aos 15 minutos, mas cinco minutos depois, Pérez definiu o marcador e o título ficou com o Uruguai.

Terminava assim, a primeira temporada do futebol com três competições de seleções, um ano histórico, que completa cem anos em 2020.

Os craques: na esquerda, Herbert Carlsson, sueco que jogava no IFK Gotemburgo, que foi artilheiro das Olimpíadas com sete gols, sendo cinco marcados na goleada contra a Grécia. Ao lado, José Piendibene, do Peñarol, o melhor jogador do Sul-Americano, tendo conquistado o terceiro título da competição

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