Na bola e no sorteio: a saga do Central de Caruaru até o título da Série B de 1986

por Raphael Alberti

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Em Caruaru, é de conhecimento geral o título brasileiro da Série B, em 1986 da Patativa do Agreste. Porém, pouco se fala de como ele foi conquistado. O Campeonato Brasileiro de 1986 tinha regras muito inusitadas. Havia o Torneio Paralelo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que era uma espécie de 2ª divisão da época. Eram 36 clubes divididos em 4 grupos com os líderes subindo para a disputa da Taça de Ouro (1ª divisão do Campeonato Brasileiro). O acesso era concretizado no mesmo ano, ou seja, em 1986, o Central jogou a segunda e a primeira divisão do Brasileirão. Não havia no regulamento um quadrangular final que decretasse um único campeão do Torneio Paralelo, por isso os 4 líderes (Criciúma, Inter de Limeira, Central e Treze) se declararam campeões brasileiros da Série B daquele ano. A CBF não reconhece oficialmente os títulos e declara que em 1986 não houve campeão da Série B.

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O Central participou do Grupo F do Torneio Paralelo junto com Americano, Goytacaz, Desportiva, CRB, Catuense, Taguatinga, Confiança e Fluminense de Feira de Santana. Fez uma campanha incrível com uma defesa sólida e um artilheiro chamado Zico. Disputava a liderança do grupo nas últimas rodadas com o Americano do Rio de Janeiro e abriu vantagem ganhando o confronto contra o time de Campos dos Goytacazes por 2 a 0. Na época uma vitória valia 2 pontos na tabela e não 3 pontos como atualmente. Sendo assim, o Central ia para última rodada com 10 pontos, 9 gols marcados, 4 gols sofridos e 5 de saldo de gols. O Americano estava com 9 pontos, 9 gols marcados, 6 sofridos e 3 de saldo. Se na última rodada o Americano vencesse o CRB por 2 a 0 e o Central empatasse com o Fluminense de Feira por 2 a 2, ocorreria algo muito incomum no futebol: os dois clubes terminariam rigorosamente empatados em todos os critérios de desempate. E foi exatamente o que aconteceu.

O Jornal dos Sports e o Jornal do Brasil de outubro de 1986 relataram uma suposta existência de “mala preta” ou “mala branca” em jogos do Grupo F. O Flu de Feira deu entrada na Federação Baiana de Futebol com uma representação contra a diretoria do Central por tentativa de suborno de dois jogadores do Fluminense para que eles fizessem “corpo mole” no jogo decisivo contra a Patativa. A representação que seria encaminhada à CBF afirmava que o presidente do Central, Patrício Santos e o ex-jogador do Fluminense de Feira, Escurinho, teriam oferecido 100 mil cruzados para o goleiro Quincas e 20 mil para o zagueiro Zelito (irmão de Escurinho) do tricolor do interior baiano. O presidente do Flu, Luis Almeida, disse que os 20 mil cruzados foram devolvidos a diretoria do Central no hotel que o clube pernambucano estava concentrado na Bahia na presença do jornalista Zadir Porto, delegado do Sindicato dos Jornalistas de Feira. O dirigente do Central se defendeu, alegando que o cheque era um prêmio pelo empate do Fluminense de Feira com o Americano, que ajudou os centralinos na competição.

Com Central e Americano empatados, a decisão do acesso à Taça de Ouro do Grupo F foi feita em um sorteio com a presença do presidente do Central, Patrício Santos e do presidente do Americano, Eduardo Viana, mais conhecido como “Caixa d’Água” e que também era presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro. Isto ocorreu no dia 7 de outubro de 1986 na sede da CBF, no Rio de Janeiro. Patrício Santos sugeriu a realização de uma partida extra entre Central e Americano como forma de desempate, mas a proposta foi negada por Eduarda Viana, pois a equipe de Campos não poderia contar com 3 titulares. Eduardo propôs um “cara ou coroa”, já que o hábito faz parte do futebol, no momento em que os capitães dos dois times escolhem em qual lado do campo ficarão suas equipes no início da partida. O alto-comando do Departamento de Futebol da CBF recusou a oferta e determinou que se cumprisse o regulamento que previa o sorteio em caso de empate em todos os critérios.

Bolinhas foram colocadas dentro de um globo, parecido com o do jogo de bingo, e o presidente do Central foi o primeiro a tirar uma delas. Caiu o número 7. Restava a Eduardo Viana tirar um número maior para que o Americano disputasse a 1ª divisão, mas saiu o número 3. Após ser derrotado no sorteio, Eduardo Viana tentou uma manobra política para aumentar de 32 para 40 clubes a Taça de Ouro de 1986, incluindo assim o Americano na competição. Porém, não conseguiu adeptos que concordassem com sua ideia. Logo após a notícia da vitória no sorteio, Caruaru entrava em clima de festa. Era a oportunidade de enfrentar clubes como Flamengo, Fluminense, Grêmio e a glória de comemorar um título nacional.


Raphael Alberti Nóbrega de Oliveira é  Mestre  em História, escritor e professor. Autor do livro “Um espião silenciado” (Cepe, 2020) e de artigos sobre futebol e política como “Mr. Reader no Brasil: processos de hibridismo cultural em torno da Copa do Mundo de 1950.” (Revista Mosaico, 2018) e “O presidente enfeitiçado” (Puntero Izquierdo, 2019)

2 respostas para “Na bola e no sorteio: a saga do Central de Caruaru até o título da Série B de 1986”

  1. Muito bom essa feito pois fiz parte dessa história.Dema sou eu

  2. Avatar de Marcio Ferrari
    Marcio Ferrari

    Pode não ser serie B, mas com a CBF atribuindo os pontos no ranking desse torneio, reconhece sua equivalencia !

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