Victor Silva é alagoano. Aos 12 anos, ele começou a trajetória no futebol nas categorias de base do Sete de Setembro, de Maceió, onde chamou atenção do Bahia em uma final de campeonato realizado no Rei Pelé e terminou a base no clube tricolor. Depois disso, retornou ao estado para defender o Sete e depois jogou no time B do CSA, que ganhou o nome de Alagoas. Partiu para Santa Catarina defender o Águia do Vale (Timbó) e Marcílio Dias. Pelas lesões, ele retornou a terra natal, onde ficou parado até acertar com o Bom Jesus, onde se machucou, novamente. Foi então que começou a trajetória do jogador em Portugal. Foi convidado para jogar no Santo Antônio, de Lisboa, para depois seguir ao Crato, onde conquistou por duas vezes o campeonato distrital e conheceu Emiliano Sala.

Em 2008, o FC Crato contava com Victor Silva, o outro brasileiro Clodoaldo e o argentino Mauricio Vaschetto, que criaram uma relação de amizade. Para a temporada 2009/10, os três tiveram mais um argentino para fazer companhia: Emiliano Sala, que foi indicado por Vaschetto, que o conheceu no Proyecto Crecer, clube argentino para jovens jogadores. Sala chegou para substituir outro atacante argentino: Guido Abayián. “Era muito jovem, alto, magro, mas surpreendeu pelo futebol que tinha pela idade. Um jogador muito forte. Tinha uma força imensa nos ossos. Lembro de um lance em um coletivo, que ele deu um tapa a frente, o zagueiro puxou o calção dele e o Emiliano foi o arrastando, não conseguiu derrubá-lo e ele fez o gol. Me marcou muito isso nele. Dali que eu vi talento”, conta Victor, que citou que era um “diamante bruto a ser lapidado”.

A proximidade entre Argentina e Brasil fez com que o quarteto criasse uma relação que nada tem a ver com aquele velho clichê que as duas nações se odeiam. “Os argentinos e brasileiros se dão muito bem fora e dentro de campo”. No primeiro ano de clube, Victor morava no alojamento, mas depois conseguiu levar a família para Portugal. Os argentinos não eram casados e continuavam na sede do clube, mas frequentavam muito a casa do alagoano. Segundo ele, a temporada 2009/10 foi uma das melhores que teve no futebol, com o título distrital, e pela convivência que criou com os compatriotas e os argentinos. “Nós, brasileiros e argentinos, ganhamos tudo lá. Inclusive, ganhamos a Copa dos Campeões”, que reunia os clubes campeões de cada distrito.
Emiliano Sala chegou na época supracitada e logo chamou atenção, como dito. Era tão diferenciado que durou apenas uma temporada no clube, ou melhor, três meses. Para Victor, ele tinha um “futebol muito a frente da idade dele”, se destacando pelo arranque, força, penetração e gols. Em 2009/10, o FC Crato, novamente, venceu o Campeonato da AF Portalegre, com 21 vitórias, seis empates e apenas uma derrota. Foram 74 gols marcados e apenas dez sofridos. A mistura entre Brasil e Argentina é lembrada como a maior campanha da história do clube.

Sala teve um desempenho muito bom na campanha. Durante a temporada, ele chegou a alegar que estava repensando a carreira, que estava com saudades da então namorada, que estava na Argentina, mas Victor e seus amigos, perceberam que poderia ser outra coisa. E era. O Bordeaux era o novo destino do argentino. O contrato não previa multa em caso de saída e ele não teve dificuldades para acertar com os franceses. “Sentimos muita falta dele (no time) quando o perdemos. Era um jogador que fazia muita diferença. Tinha jogos que estávamos no sufoco e de repente tinha uma bola e ele resolvia. Era 1 a 0, gol do Emiliano Sala”, conta Victor, que ficou muito alegre por ter acertado com um clube que estava muito a frente da realidade do Crato.
Mesmo com a mudança de ares de Sala e, posteriormente, a carreira de Clodoaldo, Vaschetto e Victor ganhando novos rumos, o contato nunca foi perdido. Victor ficou cinco anos em Portalegre, o mais longevo. Clodoaldo vive na Itália e encerrou a carreira em 2013 no Alense. Eles mantêm contato pela internet e se falam muito. Entre as primeiras conversas com Victor e a entrevista em si, ele e Vaschetto conversaram. Estava indo para as Maldivas comemorar aniversário, mas prometeu que nesse ano terá Maceió, cidade onde Victor vive, como próxima parada. Nesse período, Sala convivia com muitos empréstimos feitos pelo Bordeaux, com passagens por Orléans e Niort, onde fez 19 gols, em cada clube. Pelo time B do Bordeaux teve destaque, mas fez apenas 13 partidas pelo time principal nos cinco anos que teve contrato. O último empréstimo foi para o Caen, antes de acertar em definitivo com o Nantes, onde teve quatro temporadas, com 48 gols em 133 jogos. Foi contratado pelo Cardiff City, uma transferência que abreviou a vida do jogador, enquanto viajava.

No dia 21 de janeiro de 2019, o avião fretado pelo clube galês que estava disputando a Premier League desapareceu e começava a agonia da família, colegas de profissão, torcedores de Nantes e Cardiff City e dos amigos, como Victor. “Você não sabe a angústia que foi o período de desaparecimento dele. De saber o que realmente aconteceu, se estava vivo. Foi uma angústia muito grande de saber da notícia que o avião que o transportava para Gales tinha desaparecido. Eu fiquei numa aflição tremenda com a minha família. Todos os meus filhos o conheciam. Ele teve muito convívio lá em casa (Portugal), andava muito na minha casa. Estava com contrato recente que tinha feito, onde as coisas iam melhorar profissionalmente para ele. Saiu de uma equipe boa para jogar na Premier League. Oramos pra caramba! Todos os dias nós orávamos muito para que mostrasse ele em vida, com uma esperança tremenda. Mas depois que comprovaram que ele tinha falecido, fiquei muito triste. Chorei em saber que o garoto com carreira tão promissora, né, tinha nos deixado. Não gosto de relembrar muito. Gosto de lembrar dele no momento alegre, feliz, nas ‘jantaradas’, jogando, treinando, nas fotos… É uma estrela a mais no céu”, foi assim, com a voz embargada, que o ex-volante retratou o momento que durou 13 dias. Em 3 de fevereiro de 2019, os destroços da aeronave foram encontrados com apenas um corpo ao lado. Era Emiliano Sala! Victor retrata que a irmã dele desde então, sempre publica alguma foto em suas redes sociais para relembrar. O FC Crato o homenageou, também. A relação Brasil e Argentina em 2009/10 foi apenas o começo da união entre Victor, Clodoaldo, Vaschetto e Sala.
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