A mulher, a garra e o futebol: o título paranaense do Seleto Maringá

Certa vez, perambulei pela internet em busca de uma pauta para o blog da Série Z. Entre tantos sites, a Wikipédia é uma boa pedida para encontrar algo aleatório e escondido. Passando pelas informações das competições paranaenses eis que encontrei a página do Estadual de Futebol Feminino. Qual foi a minha surpresa ao ver que a cidade onde nasci e vivo (apesar de morar em um distrito dela, Floriano), Maringá, já teve um campeão da modalidade. Está lá na lista: “Grêmio Maringá | 2000”. A partir daí fui em busca de mais detalhes da conquista, porém não encontrei rastro algum, nem texto, imagem e muito menos, vídeo. Só havia mesmo aquela tabela com o ano e o nome da equipe maringaense.

Toda essa falta de visibilidade ainda perturba Lázara, a centroavante daquela equipe. “O sentimento é de tristeza e descaso. Um título tão importante deveria ser mais bem visto. Não jogávamos por dinheiro, mas por amor. Representamos Maringá. Parece que não tem valor nenhum. Um título desse não é qualquer um que ganha”, afirma.

Quem também atuava pela equipe era Shirley, zagueira, que não “economizava” pelo bem do time. “Meu salário ia tudo. Eu era tão apaixonada que não me importava de deixar de comprar um tênis novo para ajudar nas despesas que tínhamos. Ainda bem que paixão acaba (risos)”, conta.

Em 2000, o Campeonato Paranaense Feminino era forte e contava com um bom número de equipes. Antes disso, em 1996, Edson Lambari fundou em Maringá, o Seleto, clube de futebol e futsal, uma equipe formada como associação para que não precisasse se juntar com outra para a disputa dos campeonatos, mas em 2000 não teve jeito. A federação local exigia que as equipes fossem federadas e possuíssem um alvará para disputar as competições da entidade. Sem dinheiro, Lambari foi até o presidente do Grêmio Maringá, na época, Zinho Falleiro, para ver a possibilidade de ajuda. O que foi feito por parte da equipe alvinegra foi a doação de 100 uniformes para que pudesse ser vendida pelas jogadoras, para assim ajudá-las no campeonato.

Em campo, o uniforme foi o amarelo e branco, cores do Seleto, mas o nome utilizado era do Grêmio Maringá. As jogadoras do Seleto e Lambari, que também era o treinador da equipe, dessa forma puderam disputar o Paranaense de 2000.

Em conversa, Lambari não se recorda exatamente as equipes e o formato da competição, mas há alguns detalhes. A primeira fase da competição foi disputada em turno e returno e a final foi em dois jogos. Grêmio Maringá/Seleto, União Ahú, Novo Mundo, Vila Áurea, Colombo, São José (dos Pinhais), São Paulo (Curitiba), Foz do Iguaçu, Londrina e América (Ponta Grossa) eram algumas da equipe que participaram do certame que ocorreu no final do ano. “O Campeonato Paranaense era bom. Depois foi caindo, as federações não apoiam da maneira que deveriam. Digo de estrutura, mas eles não acatam as (nossas) ideias, acreditam naquilo que querem”, cita Edson Lambari.

Da beira do gramado, Lambari era o comandante da equipe (Foto: Kaique Augusto)

Apesar de não ter a lembrança exata, Lambari comenta que a equipe, obviamente, conquistou mais vitórias. “Naquele ano, nós ‘batemos’ em todo mundo. Foi bonito. Porque para chegar lá não tinha como perder, havia muitas potências e nós fomos e ganhamos delas”, ressalta. Na época, jornais de Curitiba e Maringá fizeram várias matérias, inclusive a RPC, afiliada da Rede Globo, cobriu a final da edição.

Lázara trabalhava na Secretaria de Esportes de Cianorte, cidade que ainda reside, e aos finais de semana, de sexta-feira a domingo, ia para Maringá treinar e jogar. Durante a preparação, a equipe chegou a fazer um “jogo-treino” contra um time formado por feirantes da cidade. “Éramos um time amador. Ninguém ganhava nada. Jogamos contra equipes profissionais, que viviam disso. Perdemos jogadoras durante o campeonato. Não tínhamos patrocínio”.

Os jogos da equipe como mandante até a final da competição foram disputados no Estádio Willie Davids, mas as lembranças das melhores histórias vêm das partidas que eram fora da cidade do noroeste do estado. Para aproveitar as viagens, as equipes chegavam a fazer dois jogos em dois dias. Edson Lambari lembra um caso específico. “Jogamos lá em Curitiba e depois voltávamos a noite para jogar no outro dia e aproveitar a viagem. Lembro que a gente foi enfrentar o União Ahú (em Curitiba), nós perdemos o jogo e ganhamos do América em Ponta Grossa (no outro dia)”. Tudo isso após percorrer 177 quilômetros de ônibus.

As histórias não param por aí, como a de Shirley, digna de cenas lamentáveis, quando foi expulsa em um jogo em Foz do Iguaçu. “Nocauteei uma atleta do Foz com um soco no olho. Ela caiu no centro do campo e não levantou mais. Depois no jogo de volta, o Lambari fez eu colocar o uniforme e ficar aquecendo. Ela achou que eu iria jogar, tirou o uniforme e sumiu para a arquibancada. Quando começou o jogo, tirei o uniforme e fui pra arquibancada bem perto dela. Deve me xingar até hoje”.

Shirley com a camisa aurinegra do Seleto, uniforme que vestia com muito orgulho (Foto: Acervo Pessoal)

Depois de todas as histórias, dificuldades fora de campo e as vitórias dentro no gramado, o Seleto/Grêmio Maringá chegou a final contra o São Paulo (ou São Paulinho, como também era chamado). Ao invés de jogar a partida como mandante em Maringá, o time mandou a partida em Lunardelli, pois a cidade contava com algumas jogadoras na equipe e o apoio local foi importante. As finais foram tranquilas. Na primeira partida, 5 a 1 “em casa”. O título estava próximo, bastava confirmá-lo no jogo de volta em Curitiba, mas um drama foi vivido pela equipe na ida para a capital. A história tem tantos detalhes, que é impossível descartar alguma fala. “Nós jogamos em Lunardelli, daí nós voltamos para Maringá, para treinar durante a semana, até sábado. Nós fomos para Curitiba no domingo (dia da final) de manhã. Como a gente ia para Curitiba, nós tínhamos que passar e pegar as meninas em Lunardelli, antes de ir para a capital. Chegando em São João (antes do destino), o motorista chegou e disse que o ônibus tinha quebrado e o jogo era às 15 horas. Daí foi ‘liga, liga, liga’. Dali, umas 8 horas da manhã, peguei uma carona e parti para Lunardelli para falar com o prefeito da cidade. Cheguei lá, o acordamos e explicamos o que aconteceu. O prefeito então correu atrás de um ônibus, que era de muambeiros, que tinha apenas 15 poltronas. Passamos em uma frutaria, compramos laranja e banana e o ônibus ‘ó’! Eu não sei como aquele cara (motorista) andou, porque não foi brincadeira. Conseguimos chegar. Nós estacionamos dentro do (estádio do) São Paulinho e o pessoal se trocando dentro do ônibus. Desceu assim! Parecia que estávamos saindo de dentro do vestiário”.

Em tempo para a decisão, o time tinha outra preocupação. Um grande desfalque: goleira! Cristina, atacante da equipe, teve que assumir a meta, com direito a lamaçal na área. Tomou três gols, mas as mulheres do Seleto fizeram cinco e confirmaram o título. No agregado, sonoros 10 x 4.

A diretoria do São Paulo armava um churrasco pós-jogo e ambas as equipes se uniram para comemorar o título maringaense. “Foi algo inesquecível. Todo sacrifício para chegar lá, ônibus que quebrou no caminho, fome… E depois a equipe adversária nos convidou para comemorar com eles. Eles tinham preparado um churrasco e ficamos festejando juntos. Tínhamos que mendigar patrocínios para viajar, pagar arbitragem. Custear as passagens das meninas que vinham das cidades vizinhas”, conta Shirley, que demonstra que todo esforço valeu a pena. Ela que na época conciliava o Seleto com o trabalho em uma metalúrgica, os estudos Educação Física e também com as funções de cronometrista e anotadora na arbitragem do futsal paranaense.

Maringá pôde comemorar e conquistar o seu quarto título estadual, o primeiro e único, até hoje, no futebol feminino. Após a conquista, uma entrega de faixas foi realizada em Maringá com participação ilustre de jogadoras da seleção brasileira, como Andreia Suntaque, Márcia Taffarel e Sissi.

Em pé: Madalena (Auxiliar), Lambari, André Suntaque (convidada), Sissi (convidada), Márcia Taffarel (convidada), Lázara, Angélica, Zetti, Juliana, Rafaela, Leila, Leo, Cristina e Juliana. Agachadas: Shirley, Renata, Pombinha, Silvana, Rosana, Carina, Néia, Eliana e Necilda

A parceira com o Grêmio Maringá durou apenas uma temporada e as equipes seguiram seu caminho. O Seleto disputou o seu último campeonato estadual em 2008, quando foi eliminado pelo Novo Mundo (Curitiba).

Daquela conquista, restaram as lembranças e o orgulho de ter feito parte do elenco. “Valeu a pena. Gostava muito de jogar. Ficou marcado na minha carreira. Ia para Maringá todo final de semana para treinar e jogar. Foi um feito muito grande para a gente”, conta Lázara.

Para a história do futebol maringaense, os nomes de Lázara, Angélica, Zetti, Juliana, Rafaela, Leila, Leo, Cristina, Juliana, Shirley, Renata, Pombinha, Silvana, Rosana, Carina, Néia, Eliana e Necilda estão marcados, mas principalmente devem ser lembrados pelo ineditismo de tal conquista.

2 respostas para “A mulher, a garra e o futebol: o título paranaense do Seleto Maringá”

  1. Avatar de Vitória Rafaela Maceno
    Vitória Rafaela Maceno

    Ei meu sonho e joga futebol cara por favor me dê essa chance esse e meu whats +55 41 9780-8217

    1. Nos mande email seriezrevista@gmail.com, que te passamos o contato do pessoal do Seleto

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