Ser Humano F.C.

por Matheus Gerlach

Sempre foi um desafio compreender a mente humana. Para falar a verdade, até hoje existem muitos mistérios sobre como funciona o psicológico de uma pessoa, como se porta diante de desafios e decepções, como se desenvolve e, nas últimas décadas mais uma questão chegou para colocar em cheque o entendimento humano sobre o próprio psicológico: a depressão.

É fato que a depressão sempre existiu, entretanto, tornou-se devidamente conhecida somente na segunda metade do século 19, quando surgiu o termo que é utilizado até hoje.  Tal expressão é relativamente nova se considerarmos o tempo histórico da raça humana, 250 anos para uma doença não é nada. E mesmo com a aceleração da tecnologia e do conhecimento científico nesse período, o distúrbio psicológico é ainda desconhecido por grande parte da população mundial.

Creio que alguns de vocês leitores nesse momento estão se questionando o por que de uma revista que trata sobre futebol alternativo como a Série Z estar falando sobre depressão. Sim, eu sei que isso não é alternativo, muito menos sobre futebol, mas lembro de um fato que por muitas vezes é  deixado de lado pela sociedade de todo o mundo: jogador de futebol também é ser humano.

Você já parou para pensar sobre o que se passa na cabeça de jogadores de futebol? Já parou para pensar em tudo que está ligado ao dia a dia de um jogador? As lesões, as derrotas traumáticas, os rebaixamentos e eliminações, a pressão das torcidas, patrocinadores e dos clubes são coisas do cotidiano de qualquer atleta, do menor ao maior nível, e é claro que os atletas do esporte mais popular do planeta estão expostos à isso, e podem sim sofrer de transtornos psicológicos.

Antes de mais nada precisamos entender do que se tratam essas doenças. Portadores de algum transtorno psicológico não costumam exibir manifestações físicas aparentes e, são em sua maior parte, são decorrentes do estilo de vida, cultura e sociedade em que a pessoa vive. As doenças mentais mais comuns são ansiedade, bipolaridade, TOC, anorexia e, a já citada, depressão, que é a mais recorrente dentre todas as doenças psicológicas existentes.

Entretanto, mesmo sendo a mais usual, a depressão ainda é desconhecida ou menosprezada por muita gente. A definição da doença é basicamente a sensação persistente de tristeza ou perda de interesse, podendo acarretar em complicações de saúde física e até o suicídio. A depressão tem diversas causas, dentre as mais comuns estão doenças graves, alteração hormonal, uso de remédios, acontecimentos marcantes durante a vida, abusos psicológicos, dentre outras.

Resumido o contexto de depressão, vamos agora ligar algumas coisas. Quando você leu o parágrafo acima citando as causas da depressão, lhe pareceu que estava lendo algo já contextualizado nesse texto? Não? Então deixe-me repassar. Quando disse que lesões, derrotas traumáticas, e a pressão psicológica de todos os lado são coisas do cotidiano de qualquer atleta, não se encaixou perfeitamente com as causas de depressão?  Pois é, os jogadores de futebol, especialmente os de alto nível, estão expostos às cinco causas mais comuns da depressão.

São poucos os casos divulgados de jogadores que sofrem de algum transtorno psicológico, entretanto, uma pesquisa de 2016 revelou que quase 40% dos atletas de futebol sofrem com a doença, além dos 35% de jogadores aposentados que apresentam sintomas  da doença. As lesões seriam o maior motivo da doença nesse meio.

Dentre os inúmeros casos, selecionamos três que se distinguem em estilo de vida do atleta, um histórico jogador inglês, um da quinta divisão da Suíça e um da Série A do Brasileiro.

Justin Fashanu

Filho de nigerianos, teve uma vida conturbada. Foi abandonado ainda bebê e adotado por uma família branca e aos 14 anos entrou na categoria de base do Norwich City. Logo no início de sua carreira Fashanu marcou o gol eleito como gol do ano do campeonato inglês de 1980 contra o Liverpool, que na época era o campeão continental. Tal marco foi um dos motivos que fizeram com que o centroavante fosse reconhecido e perseguido por grandes clubes locais, coisa que não era recorrente para um atleta negro como Justin.

Você acha que Daniel Alves inovou comento a banana que foi lançada em sua direção pela torcida do Villareal em 2014? Que nada! Fashanu fez isso muito antes que o brasileiro. Os frequentes casos de racismo durante os jogos já era um peso nas costas do atleta, que logo no seu primeiro ano de contrato com bicampeão europeu Nottingham Forest ganhou mais um agravante emocional, a desconfiança quanto a sexualidade do jogador. Foi visto entrando e saindo de baladas gays por torcedores algumas vezes, o que fez com que sua relação no clube fosse afetada, principalmente com o técnico do time, Brian Clough. Se ser um negro com relativo sucesso já era um absurdo para a época, imagina negro e homossexual.

Fashanu foi vendido e renovou as esperanças de voltar a subir na carreira, entretanto, uma lesão grave no joelho fez com que o atleta ficasse impossibilitado de jogar em alto nível. Foi para os Estados Unidos onde se afundou em dívidas e em 1990, revelou em uma entrevista exclusiva para o jornal The Sun sua opção sexual. Em fevereiro de 1998, foi acusado de abuso sexual e um mês depois, tirou a sua própria vida em 3 de maio.

David Bystron

Com menos mídia que Fashanu, o jogador nascido na antiga Tchecoslováquia, era zagueiro e passou por equipes conhecidas no leste europeu como Viktoria Plzen e Levski Sofia, onde foi campeão nacional em 2009 e 2011, respectivamente, e em 2004 campeão tcheco pelo Baník Ostrava. Além de ter defendido as seleções de base da República Tcheca.

Em novembro de 2011, após um jogo da fase de grupos da UEFA Champions League entre Viktoria Plzen e BATE Borisov, David testou positivo para o uso de metanfetamina, o que fez com que ele ficasse dois anos afastado do futebol.

Quando voltou aos gramados com a camisa do Sigma Olomuc, foi diagnosticado com uma doença que o afastou dos gramados profissionais, indo parar na quinta divisão suíça. Em maio deste ano, foi encontrado morto por enforcamento no porão de sua casa. Bystron deixou um bilhete informando que tirou a própria vida devido aos problemas financeiros e familiares que enfrentava.

Thiago Ribeiro

Mais próximo da nossa realidade, Thiago Ribeiro é hoje atacante do Santos, e já conquistou o campeonato brasileiro e mundial pelo São Paulo, além de estaduais por Cruzeiro, Santos e Atlético Mineiro.

Thiago teve o diagnóstico da depressão no final de 2014, e segundo ele, não houve nenhum problema familiar que o fez ser afetado pela doença. Em uma entrevista para o UOL, o atacante relatou como foi: “ Foram quase três meses afastados, treinando na academia, leve. Perdi todo o preparo físico. Alguns minutos de trote me cansavam. Me afetou muito nos últimos dois anos. Fui para o Atlético, estava um pouco melhor. Mas longe da situação normal. Consegui fazer uma temporada razoável para boa, fiz gols, mas não tinha aquela alegria. Não digo só profissionalmente falando, mas num todo, na vida. Foi um período muito difícil. Começou de uma hora para outra, não tenho explicação.”.

Foram pouco mais de dois anos para superar o problema, tal feito foi chamado pelo atleta de maior conquista de sua vida. Thiago ainda traça objetivos, o primeiro deles ser titular no Santos, e ainda ser campeão de uma Libertadores, campeonato no qual foi artilheiro em 2010.

E lembre-se, a depressão tem cura. Procure a ajuda de um especialista.

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